24.9.06

 

A Novidade do «Sol»

Este sábado, já pude apreciar a novidade jornalística que José António Saraiva nos havia prometido no seu novel semanário, o Sol.

Devo confessar ab initio que não partilho de uma opinião muito difundida entre a nossa putativa intelectualidade, mormente a dita de Esquerda, termo cada vez menos útil ou adequado para classificar famílias ou atitudes políticas, que costuma menorizá-lo como analista político, que o é, mais do que muitos outros seus pretendidos émulos e há bem mais tempo.

Leio-o há muito e prezo bastante as suas opiniões, com as quais muitas vezes concordei e concordo.

Vejo nele, na sua maneira de observar a Política, algumas características herdadas da grande argúcia intelectiva do pai, o saudoso António José Saraiva, aqui já várias vezes citado e elogiado, como inteiramente o merece.

Mas, como sucede com qualquer mortal ninguém está isento de crítica e muitas vezes, por desconhecermos as circunstãncias em que os factos ocorrem, podemos também julgar mal os seus autores. No entanto, sempre temos de exercer esse dever cívico indeclinável que é o da análise crítica do mundo que nos rodeia. E este é o que é.

No caso presente o Sol, neste seu 2º número, saldou-se, quanto a mim, por rotundo fracasso, decepcionando aqueles que, porventura, ambicionavam uma versão melhorada do Expresso, como JAS havia insistentemente insinuado.

Já há bastante tempo que o Expresso dá visíveis sinais de esgotamento, de queda ou cedência à banalidade informativa. Poderão alguns cínicos argumentar que tal se torna inevitável, dada a tendência para a formação de uma mentalidade baseda no culto da banalidade, presente numa larga faixa da sociedade actual, que os jornais acabariam, depois, por seguir. Isto é capaz de ser verdade.

Contudo, os jornais, os semanários, sobretudo, devem ir um pouco à frente da multidão, das massas, das maiorias, procurando espevitá-las, dar-lhes mais elementos de reflexão, para a formação da chamada opinião pública, que não devemos confundir com a que se vê publicada. Sabe-se lá por que artes e manhas, muitas vezes, ela aparece. Uma comprida, por de mais benevolente e oportuna mão amiga estará com frequência na sua origem.

Com pode um semanário como o Sol pretender ultrapassar o Expresso apenas com artigos de completas trivialidades, com protagonistas da moda social, da gente que aparece, para fazer o que supostamente acontece, que nada tem a dizer ao país, que, por regra, confunde com o seu grupo restrito de amigos e semelhantes, no gosto e no pensamento ?

Toda a banalidade está lá patente, desde o tamanho da letra, ao espaço dado à imagem, ao comprimento do texto noticioso que notoriamente minguou, à atenção preferencial ao anedótico, ao acessório, ao ligeiro ou light, no português airado da Comunicação Social, tudo compondo um chorrilho de inocuidades, talvez brilhantes ou sonoras, mas vazias de sentido.

Na sua primeira página, surde, porém, uma velha matreirice de JAS. Refiro-me àquela dita sondagem, que dá como um quarto dos portugueses desejando ser espanhóis, que depois, passa a 28%, outras a 27,7%, etc., logo deixando adivinhar a credibilidade que nos deve merecer tanto respeito pelo rigor estatístico.

Já há alguns anos, JAS tinha feito a mesma brincadeira no Expresso, quando nos chamava a 7ª ou 8ª região espanhola, com nítido propósito provocatório, como posteriormente confessou, dizendo que havia escrito a sua crónica para chocar a consciência aparentemente adormecida dos portugueses.

Na altura, muita gente, entre a qual me incluo, lhe respondeu, numa pequena demonstração de que, nem sempre, a respeito de determinados absurdos, se deve tomar o silêncio ou ausência de ruído por comungado assentimento.

Volta agora, JAS, a repetir a blague, numa imaginada comprovação estatística de uma nova realidade mental dos portugueses, que, de tão descrentes da Europa e do próprio País, já aceitariam uma integração em Espanha.

O assunto merece mais do que uma breve referência, mas não convém tomar a notícia do Sol por aquilo que ela não é, antes se deve denunciar a perigosa,nefasta gracinha, urdida com propósitos meramente publicitários. Com esta suposta notícia, o Sol usou aqui um forte chamariz, provavelmente para compensar a vacuidade geral do restante conteúdo do jornal.

Esperava-se mais de JAS e, a continuar neste rumo, jamais preencherá o lugar do Expresso, podendo até igualá-lo ou mesmo superá-lo nas elevadas tiragens, feito que a revista Maria já há muito alcançou, mas denegará os propósitos por si mesmo enunciados e, pior do que isso, desfigurará a sua reputação no seio do jornalismo de referência, que, na verdade, já conheceu melhores dias.

Ou será que JAS se rendeu a argumentos mais fortes impostos pelos patrocinadores do seu projecto jornalístico ?

AV_Lisboa, 24 de Setembro de 2006

Comments:
Não li o Sol. Ainda não li o Sol. Não posso comentar com os pormenores (ou sem eles) que o meu Amigo utilizou. Mas leio o Expresso.
Acho que não perdeu rigorosamente nada com as mudanças, antes, pelo contrário, ganhou em manobrabilidade.
Concordo que está um semanário «esgotado» e bem diferente daquele outro que há já vários anos dedicava cadernos a temas específicos (às vezes, até, de carácter histórico) numa acção pedagógica muito de louvar.
Não sei qual o motivo por que se abandonou este modelo, pois tenho para mim que um semanário deve ser mais opinativo do que noticioso; mais formativo de opinião pública do que virado para a banalidade.
Conheço pessoalmente o Henrique Monteiro e sei que está empenhado em manter uma linha plural que seja um compromisso entre a informação e a opinião.
Julgo, também, que falta ao Expresso o «golpe de asa» que o coloque como o órgão pelo qual todos esperam com ansiedade, porque a sua palavra pontifica.
O caminho a seguir está na releitura atenta e crítica dos números do Expresso do tempo do Estado Novo e dos do PREC. Ver o que lhe deu e dava carisma. Depois, é "só" repetir, adaptando aos tempos que correm.
Não estou a inventar nada, porque basta olhar para o Le Monde Diplomatique para se perceber a razão do êxito.
Um abraço
 
Meu Caro António Viriato:
Também eu, quando JAS abandonou o Expresso, disse que a minha opinião sobre as análises dele não era tão negativa como geralmente dizem. Acusam-no de banalidade, mas a verdade é muitas vezes banal. E escreveu um livro interessante, as «MEMÓRIAS DE UM DIRECTOR DE JORNAL».
Mas acredito que o «SOL» seja instrumental num projecto de levar Marcelo à presidência e duvido de que alguma vez ultrapasse o «EXPRESSO», quanto mais daqui a seis meases! Este caiu muito, mas conseguiu "viciar" duas gerações.
Abraço.
 
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